Em 2005 o Playstation 2 se preparou para receber um de seus projetos exclusivos mais audaciosos, um game baseado na aclamada série 24 Horas. Depois de uma produção bem divulgada e a promessa de ser o game definitivo do gênero o titilo 24: The Game foi lançado junto com a quinta temporada da série em 2006. Por vezes ser um analista de games pode ser complicado ao pegar obras como 24: The Game, que para mim se torna atraente pelo simples fato de eu ser fã da série em si. Escrever sobre esse game é difícil, mas sem sombra de dúvidas não é difícil ser imparcial. 24: The Game é um game interessante? Sim! Sem dúvidas. Mas é inevitável dizer que poderia ter sido muito melhor, visto que o material em mãos da produtora Cambridge era vasto e as idéias combinaram perfeitamente com a temática, só faltou lapidar melhor o produto final.
Temporada interativa e exclusiva.
Pode ser que alguém tenha lhe congelado ou você seja um mero desavisado; ou simplesmente nunca teve interesse em saber o que é 24 Horas, então aqui vai um breve recapitula de tudo. 24 Horas é uma série de ação que se foca na vida do agente federal Jack Bauer, que trabalha na Unidade Contra-Terrorismo de Los Angeles. As tramas sempre envolvem ataques terroristas com fundamentos políticos e sociais. Depende de Bauer e sua equipe impedir que uma catástrofe aconteça em solo americano, mas ao mesmo tempo precisam lidar com pressões emocionais e pessoais, fazendo de 24 Horas a primeira série policial dramática a fazer sucesso na TV americana. Outros fatores que fizeram o show ficar famoso foi o fato de que a temporada em si (24 episódios) se desenvolve em apenas um dia (cada hora do dia é um episódio), também houve o protagonista, Jack Bauer, que é um agente que faz de tudo pela sua pátria, passando por cima de questões morais e até familiares, tudo em nome de seu trabalho; consequentemente Jack sempre é o personagem que mais sofre ao fim de cada história, devido as atitudes que é obrigado a tomar ao longo do dia.
A primeira coisa justa a dizer sobre o game é que de forma alguma ele é um caça níquel, a começar pelo enredo, que conta eventos que acontecem entre a segunda e terceira temporada da série. A história é tudo aquilo que um fã da série pode esperar, com tramas políticas, ataques terroristas e momentos tensos e decisivos vividos por cada personagem. O game ainda preenche lacunas, como a chegada de Kim Bauer a UCT, o surgimento de Chloe e Chase e até mesmo o estado de David Palmer após o ataque sofrido na cena final da segunda temporada. O enredo começa com a UCT recebendo uma ligação anônima sobre um carregamento de armas químicas em um porto de Los Angeles. Jack Bauer vai até o local com sua equipe para interceptar a carga. Paralelo a isso o agente da UCT de Washington, Chase Edmunds, descobre um plano para matar o Vice-Presidente Prescot durante a sua visita em Los Angeles, dando inicio a uma série de acontecimentos que se entrelaçam com mais uma ameaça a Los Angeles. Como já dito acima a história é desenvolvida de forma competente e clara, capturando a essência de 24 Horas. Um ponto interessante é que a trama não se esforça para apresentar os jogadores desconhecidos à obra, ou seja, aquele publico que nunca teve um contato com alguma temporada da série; mas isso não impede que esses mesmos jogadores não se encantem com o game, mesmo que eles não saibam ao certo quem é Tony Almeida, Michelle Dessler e Jack Bauer. A participação de cada um no decorrer do game deixa bem claro o que cada um significa.
Para que o game fosse o mais realista possível a Cambridge usou o rosto de cada um dos atores e absolutamente todos cederam sua imagem e dublaram seus próprios personagens, tudo em nome da fidelidade ao show. O resultado é uma temporada totalmente nova, mas jogada no Playstation 2. As cenas não interativas mostram uma qualidade absurda e chega a impressionar, como se de fato uma câmera virtual tivesse filmado cada momento. Essas cenas abusam dos elementos de edição da série; com telas dividas que mostram diversos acontecimentos simultâneos, o relógio mostrando a hora do dia no centro da tela ao fim de cada missão e até no inicio de uma nova hora temos a voz de Kiefer Sutherland informado o período de tempo em que os eventos a seguir ocorrem. É impossível não ficar preso ao clima que o game cria, a não ser, é claro, que você não seja fã da série. Cada um dos principais envolvidos em 24 Horas cedeu seus talentos para tornar o game o melhor possível, inclusive os roteiristas que fizeram o script do game e o compositor da trilha sonora.
O jogo em si...
Infelizmente não é só da fidelidade a obra que 24: The Game vive, agora temos o game em si, e nesse ponto o brilho é amenizado. 24 é do tipo tiro em terceira pessoa ao estilo Max Payne, mas adaptado para o universo da série. Aqui você controla Jack Bauer para cumprir objetivos que estão dentro do contexto do enredo. Também jogamos com Tony Almeida, Michelle Dessler, Chase Edmunds e Kim Bauer, conforme mandar a missão. No entanto não há nenhuma diferença entre eles (somente Kim, que tem uma péssima mira, já que não é treinada como uma agente), mas já que o foco da história não é só Jack Bauer (embora a grande maioria das fases seja com ele) é divertido ver que há momentos para cada personagem, mesmo sem grande profundidade. Não há grandes complicações nos objetivos, já que o principal é meter bala em quem estiver na frente. O sistema de combate é divertido devido à interação com o ambiente, Jack pode encostas em paredes para se proteger, mas isso só é necessário quando há muitos inimigos atirando. A inteligência artificial é muito fraca, fazendo os tiroteios perderem parte de sua emoção, mas de forma alguma são cansativos. Munição raramente será problema, é possível coletar balas no chão quando inimigos morrem. O arsenal é bom, mas o jogo escolhe automaticamente a melhor arma para ser usada, dependendo da situação da missão. Para um game de tiro era esperado que houvesse mais empenho nesse quesito, os combates apresentam variedade, mas a lerdeza dos inimigos pede apenas uma rajada de tiros, sem nenhum mistério ou dificuldade, talvez é claro, quando haja muitos oponentes a sua espera, a menos que se use um colete a barra de energia não é muito generosa. Dependendo da missão é preciso tomar cuidado, há missões que ocorrem em locais públicos, onde há risco de atingir civis e fazendo diminuir pontos ao fim de cada missão. A punição geralmente é não desbloquear conteúdos extras no menu principal. Outro fator que conta pontos negativos para os combates é a jogabilidade. A mira manual tem uma calibragem estranha, de modo que mesmo os jogadores mais hardcores vão optar pela mira automática, que facilita a ação e não compromete a diversão. Os personagens também parecem ser incapazes de correr em linha reta e esse problema é mais visível com o Chase.
Há algumas fases que usam do sistema Stealth, mas aqui o recurso é usado de uma forma tão miserável que poderiam ter deixado de lado. Imagine só você trabalhando numa sala cheia de gente. Então entra um cara de preto, fica bem atrás de você e ninguém não nota nada? Pois é! Situações assim acontecem com frequência e chega a ser ridículo de tão mal trabalhado. Melhor é quando você deve agir no meio de civis enquanto é coagido por algum vilão, o que é bem mais divertido, por vezes você terá de enganar câmeras de segurança e esconder guardas desmaiados para prosseguir. Ao longo das missões também será necessário resolver quebra-cabeças, que se apresentam na forma de pequenos mini-games; uns são um simples apertar de botões para desativar bombas, outros pedem que o jogador desembaralhe letras para formar códigos, em outros, o jogador deve usar de reflexos para organizar dados na UCT; enfim, é um sistema simples e eficiente, que aumenta a variedade do game e diverte sem exagerar demais.
Talvez a maior novidade dessa mecânica sejam as fases de interrogatório, nelas Jack Bauer deve obter informações de algum suspeito. O sistema funciona como na série, você controla o interrogatório mudando o tom de voz para baixo, normal ou agressivo, e conforme você dita às regras do interrogatório a tensão do suspeito muda, até que entre na zona de cooperação, onde ele se propõem a falar. Cada interrogatório tem suas dificuldades, e ainda que as cenas de tortura tenham sido deixadas de lado aqui (na série Jack nunca interroga alguém sem machucar o pobre coitado) esses momentos são os mais divertidos do game, devido a sua originalidade. Jack ainda arruma tempo para brincar de franco atirador, em missões onde você deve eliminar alvos específicos no cenário.
Direção hollywoodiana.
O pior de 24 está nas missões de direção, que conseguem ser as mais frustrantes já feitas em um game do gênero. Os carros aparentam ser lentos demais, mesmo em sua velocidade máxima. As curvas são exageradas e descontroladas, causando derrapes e até mesmo capotamentos desnecessários. Por vezes você terá de fugir de perseguidores, aqui as batidas e trancadas sofridas são tão apelativas que chegam a ser ridículas. Nota-se que a tentativa foi usar a mesma mecânica de perseguições de Need For Speed Most Wanted, mas o trabalho final não chegou nem perto do acabamento da série de corridas da EA Games.
Os gráficos trazem dois aspectos distintos. Nas cenas não interativas apresentam uma ótima qualidade cinematográfica, já no game em si há uma mínima mudança, embora não chegue a ser gritante. O design dos personagens mantém o bom trabalho nas cenas não interativas, mas algumas animações soam bastante estranhas, como o jeito do Tony correr. As fases são bem construídas e bem vivas também. Na missão onde devemos impedir que aconteça um ataque no metrô há pessoas correndo e gritando para todo o lado e em geral os ambientes fechados apresentam bons detalhes e ajudam na imersão. Efeitos de explosão, tiros e batidas tem consistência e ajudam a dar aquele ar grandioso que não pode faltar. O grande problema ocorre nas áreas externas onde há uma pobreza absurda de detalhes, tanto nas ruas quanto nos carros. As esquinas são pouco habitadas por pedestres e somente o tráfego de carros parece corresponder com a realidade. Os gráficos são bem bacanas, mas fica a sensação de que 24 não aproveitou a maturidade técnica que o Playstation 2 adquiriu ao longo dos anos. Games como God of War, Devil May Cry 3 e Metal Gear Solid 3 já haviam mostrado que o console poderia ir muito mais além do que a Cambridge fez em 24. A parte sonora segue o nível de fidelidade e qualidade do conceito, os efeitos sonoros são limpos e acompanham o impacto dos efeitos visuais. Como a trilha sonora foi composta pelo mesmo compositor que faz a trilha da série então não era de se esperar que a qualidade fosse menos que excelente, combinando perfeitamente com cada cena do game. Mas a parte que mais impressiona são as dublagens, cada ator dublou seu personagem. No entanto nota-se que há um abismo muito grande entre atuar e dublar, e ainda que aconteçam deslizes em algumas falas a qualidade final não é diminuída.
Não cumpriu a promessa.
24: The Game prometeu ser a revolução no gênero tiro em terceira pessoa. Verdade seja dita, usar o universo de 24 Horas criou uma identidade única ao título, resultando em situações similares a série para construir uma mecânica que consegue empolgar, mas acaba caindo na maldição das boas idéias com mau desenvolvimento. A Cambridge provou que o seu projeta não era apenas um simples pote de ouro, já que a produção foi complexa e visivelmente cara, com uma história bem competente, que consegue completar alguns detalhes da obra original. No final a falta de ajustes em alguns pontos acabou fazendo 24 ser muito igual a outras coisas que havia no mercado, e consequentemente, tornou-se uma decepção aos olhos da critica e de parte do publico. Mesmo com as falhas o game merece uma conferida, principalmente por que seu desenvolvimento conceitual mostra como um game de ação misturado com temas políticos realmente deveria ser.
Notas:
Enredo: 10.0
Gráficos: 8,5
Sons: 10.0
Diversão: 8.0
Jogabilidade: 7.0
Nota Final: 8,5
Aprovado.
- A trama é bem amarrada, com todos os elementos conhecidos pelos fãs e consegue manter a atenção do jogador até o fim.
- O conceito do game é 100% fiel com a série.
- Apresenta variedade, fazendo com que seja mais do que um tiroteio sem empolgação.
- Missões de tiroteio conseguem empolgar, mesmo com uma inteligência artificial abaixo do esperado.
Reprovado.
- Inteligência artificial esbarra na diversão.
- Má calibragem da mira.
- Ambientes externos mal trabalhados e sem inspiração.
- Controles dos carros e sistema de Stealth medíocres.
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